Banho de sangue precisa ser impedido para que o mundo não mergulhe em uma nova era de trevas
Virmondes Cruvinel
Como se entrasse num macabro túnel do tempo, o mundo assiste às tristes imagens da invasão na Ucrânia. Namorando com um passado que não devia mais voltar, a liderança russa oferece à Europa o detestável beijo da morte.
Desde a Segunda Guerra Mundial não se via uma invasão militar estrangeira em países do Velho Continente. Isso representa uma ré incalculável no processo civilizatório vivido pelos europeus desde que derrotaram a ameaça nazi-fascista entre 1939 e 1945.
Trata-se de um profundo retrocesso na forma como os países desenvolvidos se habituaram a lidar com seus conflitos de interesses.
Em vez do chamado “poder suave” (soft-power), a Rússia chutou o balde diplomático e regrediu aos tempos do “poder duro” (hard-power), em que mísseis, tanques e tropas falam mais alto do que apelos comerciais e culturais.
Além de cenas tristes da guerra, como o comovente vídeo de bebês ucranianos transferidos de uma UTI neonatal para um abrigo antiaéreo, foi lamentável constatar um fenômeno nos últimos dias: pessoas exultando a demonstração de força do líder russo e criticando uma suposta debilidade do presidente dos EUA, Joe Biden, por ele ser um democrata, mas especialmente em função de sua idade avançada.
Saudosos de Trump, alguns adeptos desse neotrogloditismo chegam a dizer que o conflito com armas só está ocorrendo porque o ocidente se tornou “emasculado”, com uma sociedade frouxa e sem líderes machões. Essa é uma visão completamente torta da história, usada com a segunda intenção de enaltecer regimes duros e militarizados. Um subterfúgio inclusive para justificar mais ataques às instituições democráticas.
Uma visão tosca e tendenciosa da história. De gente que desconhece que o apogeu da Grécia Antiga, inclusive militarmente, foi com Atenas e não com Esparta. Que ignora que a vitória na Segunda Grande Guerra foi garantida pela democracia dos EUA – liderada por Franklin Delano Roosevelt, um presidente democrata, enfermo e paralítico. E que a civilização ocidental evoluiu culturalmente justamente para evitar a política do banho de sangue.
Tiranos que insistem em fazer valer seus interesses por meio de armas precisam ser detidos. É certo que o uso da força pode ser inevitável em muitas situações, mas é preciso tentar a alternativa da negociação até o limite. Como disse o pensador israelense Yuval Noah Harari, “se a agressão triunfar, todo o mundo será tragado por uma nova era de guerra e podemos não ver o fim desta era em nossas vidas”.
Sei que o senso comum nos alerta que podemos influenciar muito pouco nessa situação. Mas precisamos difundir os ideais que consolidaram nossa civilização com a esperança de que serão ouvidos por aqueles que se incomodam com a tragédia da guerra.
Virmondes Cruvinel é professor, procurador do Estado licenciado e deputado estadual